Quando me preparava para morar temporariamente no Rio de Janeiro a gravar "paixões proibidas" senti que não seria uma época fácil. No entanto alguma coisa em mim me dizia muito claramente o que ia lá fazer. Não ia procurar o "glamour", a fama, a carreira ou, muito menos, umas férias tropicais.
Se me afastava dez mil quilómetros das minhas referências afectivas, familiares e culturais no momento de vida em que me encontrava, era com certeza uma oportunidade de crescimento que me estava a ser "proposta". Crescimento profissional (evidentemente) mas também uma espécie de emancipação. Uma possibilidade de mergulho numa cultura tão incrivelmente rica como a brasileira. Um contacto privilegiado com um grupo de pessoas oriundas de meios socioculturais tão distintos entre si, e tão longínquos daqueles que eu conhecera até então. É para ir, pensei. E fui.
Quase nada foi como eu, em algum momento de distracção ou deslumbramento, me atrevi a imaginar que seria. Mas o que fui lá fazer, eu fiz. Amadureci. Apreendi informação e vivências. Sensibilizei-me profundamente. Defini prioridades de vida. Troquei muito. Reconheci alguns dos meus limites. Experimentei-os. Tive medo. Senti-me só. Tive momentos de revolta. Aprendi o companheirismo de formas que não conhecia. Tornei-me, acho eu, mais ciente da humanidade. Da fragilidade e da força.
No vórtice deste turbilhão de emoções e reflexões, o eixo da minha motivação, curiosidade e força foi-se tornando cada vez mais claro: As Pessoas.
Algumas das que privei, Portugueses e Brasileiros, são daquelas que sei que ficarão para o resto da minha vida, no sentido em que já a mudaram irremediavelmente. Fizeram parte activa dessa profunda transformação.
Uma dessas pessoas luminosas com quem tive a sorte e a honra de privar foi o Guilherme Pereira. Maquilhador há quase quarenta anos, companheiro de trabalho e de viagem de artistas como Maria Bethânia, Gal Costa, Caetano Veloso, Sónia Braga, Betty Faria, entre tantos outros.
Militante da arte de viver, era uma fonte de ternura e conhecimento que deixou um rasto de amor e admiração por onde passou. Com os seus S's sibilantes, os olhos meigos e um sentido de humor contagiante deixou-nos com um sorriso e uma vontade de sermos melhores. De relativizar tanto quanto não seja verdadeiramente importante.
A última vez que falei com ele ao telefone, há uma semana, disse-me: "meu bofe, estou indo p'ra Portugal preparar seu café da manhã. Vou matar saudade e quero trabalhar com vocês."
Não veio. Foi, na noite passada, para algum outro lugar que o mereça. Que faça uma boa viagem.
Bem hajas, Gui.
Até sempre.
Pedro.
1 de dezembro de 2008
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