17 de novembro de 2008

"Preto no Branco"



Como é que o Pedro Lamares se define? Quais as suas maiores virtudes e defeitos?
Ao longo do tempo tenho-me preocupado cada vez menos com definições, principalmente as que pretendem dividir o “Bem” do “Mal”.
Creio ser uma pessoa justa, com o intuito permanente de aprender e amadurecer, de preferência antes de “apodrecer”.
Sou altamente impulsivo e compulsivo pelos detalhes. Sei hoje que consigo ser profundamente irritante para alguns e inspirador para outros. Estou a aprender a viver com isso. Não suporto a mentira e sou apaixonado por viagens, poesia, jazz e cavalos.
Preocupam-me a banalização do ser humano, a inversão dos valores, a falta de civismo e a poluição.

Estreou-se em televisão com Dei-te Quase Tudo no ano de 2005. Como é que teve
início a sua carreira de actor?
Comecei por estudar artes plásticas, depois música (Jazz e Música Sacra) e só depois veio o teatro.
A questão da comunicação sempre fez parte do meu caminho, mas nunca foi óbvio para mim de que forma seria capaz de ser, de alguma forma, um veículo para comunicar aquilo que me parecia essencial e que, como eu, se foi transformando com a vida.
O impulso para o palco veio dos recitais de poesia, que ainda hoje faço, e da necessidade premente de partilhar essa beleza que sempre me foi vital.
Comecei a actuar com poesia e música em 1997.

Também já pisou palcos de teatro ou faz apenas televisão? Onde é que se sente mais à vontade?
Pisei palcos em teatro, em espectáculos de poesia e música, em espectáculos de dança-teatro (se é que isso existe, enquanto divisão de expressões) e, uma vez, numa ópera como intérprete de uma personagem “muda”. O mercador da Carmina Burana.
O lugar onde ainda me sinto mais à vontade é no palco. Ainda que a televisão esteja a ser um processo de grande aprendizagem e o trabalho em plateau me seja cada vez mais agradável.

Como é que correram as gravações da telenovela Paixões Proibidas no Brasil? Como é que era o ritmo de trabalho?
O ritmo, para mim e mais algumas pessoas, foi verdadeiramente alucinante. Eu trabalhei, com poucas excepções, seis dias por semana, muitos dos quais até às três, quatro horas da manhã. Contingências de uma personagem sem “decor” fixo, que circulava por quase todos os núcleos e cenários, com muitas cenas nocturnas em exteriores.
O trunfo dessa personagem foi ter a oportunidade privilegiada de contracenar com quase todo o elenco e trabalhar exaustivamente com uma equipa. Estávamos todos “no mesmo barco” ainda que, naturalmente, com posturas por vezes muito diferentes. Aprendi muito e conheci gente que me marcou profundamente quer a nível profissional quer a nível humano.

Foi um dos nove actores portugueses que esteve durante largos meses no Brasil em gravações. Sentiu muitas saudades de Portugal?
Mais ou menos. Senti falta de algumas pessoas. De algumas coisas. De me sentir em casa. Senti algum isolamento, também. Mas sabia que tinha um regresso e tinha perfeita noção do que estava ali a fazer. Esse era o meu objectivo, no momento. Além disso, eu sempre fui um apaixonado pelo Brasil, desde que lá estive em viagens anteriores.

Do que é que gostou mais durante o período em que esteve no Brasil?
Da vivência. Das pessoas. Do mar na varanda de casa. Da música. De estar mais próximo do trabalho e do meio ambiente de senhores como o Chico Buarque e a Maria Bethânia, entre tantos outros. De respirar.

Qual é a maior diferença entre os actores portugueses e brasileiros?
A maior diferença não sei. Há bons e maus actores num lugar como no outro. O que me pareceu foi que os actores brasileiros têm uma escola de televisão que é notável. O naturalismo televisivo é dominado por grande parte deles com aparente simplicidade. Têm muitas vezes o tom certo. A medida certa. E aqueles com quem trabalhei, pareceram-me humanamente mais acessíveis do que eu estava habituado a encontrar no meio da televisão, em Portugal.
Como não trabalhei no Brasil em teatro, não sei onde estarão essas diferenças no que respeita ao “processo”. À construção de uma personagem. Ao confronto de ideias. À descoberta inerente à montagem de um projecto. De um espectáculo, ou o que for.

Na telenovela Deixa-me Amar, como se sentiu a representar o papel de Henrique Gama, um personagem com um carácter egoísta e manipulador?
Bem. Estou de facto a divertir-me bastante. A trabalhar com o lado sombra.
Ser actor passa por estarmos ao serviço de contar uma determinada historia, com uma determinada finalidade. Não passa por fazermos de conta que somos aquilo que gostaríamos de ser ou, menos ainda, aquilo que julgamos ser.
Se quiser falar às pessoas do que foi o Holocausto, se tiver a sorte de representar um oficial das SS num campo de concentração, vou fazê-lo com a maior crueldade, frieza e capacidade de análise que conseguir tirar de mim, porque a minha intenção num projecto desses não é que o espectador fique a achar que os SS eram uns “gajos porreiros”, mas com mau feitio. Se assim não for, para quê contar essa história?

É abordado com frequência na rua? Como é que reage nessas situações?
Sou abordado às vezes. Tem fases.
Reajo o melhor que sei, e tento cada vez mais ser natural. Ser eu próprio. Claro que depende das abordagens. Há gente que não tem a menor noção de privacidade ou de respeito. Que não distingue as figuras e personagens que lhes entram em casa diariamente, da pessoa que está por trás e que as compõe. Que lhes dá vida. Mas também há gente muito simpática e gentil. De uma forma geral é agradável.



Qual é a sua opinião em relação à televisão que actualmente se faz em Portugal (RTP, SIC e TVI)? O que é que gosta de ver na televisão e o que é que gosta menos?
Curiosamente, há muitos anos que não vejo televisão. Passei três anos sem ter antena (porque não queria) e depois, quando comecei a trabalhar em TV comecei a estar um pouco mais atento. Mas vejo realmente muito pouco.
Acho que é um veículo privilegiadíssimo de comunicação que pode ser muito perigoso por isso mesmo. Acho que a televisão em si é um achado maravilhoso, mas a forma como as pessoas a usam dimensionou-se a um ponto em que se perde alguma noção da veracidade e importância do que lá se vê.
O que eu gosto de ver é: Documentários. Ficção. Noticiários. Alguns debates.
Quanto ao que não gosto, simplesmente não vejo.

Em que projectos está agora envolvido, para além de desempenhar o papel de Henrique Gama em Deixa-me Amar? Quais os projectos para o futuro próximo?
Trabalho há cinco anos nos espectáculos de poesia, performance e música do ciclo “Quintas de Leitura” que acontece uma vez por mês no Teatro do Campo Alegre, no Porto.
Trabalho esporadicamente em espectáculos e em formação numa escola de educação pela arte (vertente dança), em Vila Nova de Gaia, chamada Ginasiano, onde também já dei aulas.
Continuo também com os meus projectos itinerantes de espectáculos e recitais de poesia.
Pertenço a um colectivo poético chamado Caixa Geral de Despojos que faz espectáculos e intervenções de poesia.

Quando não está a trabalhar o que gosta de fazer? Como é que passa os seus tempos livres?
Viajo, sempre que posso. Ouço muita música. Leio. Cozinho. Faço quilómetros de bicicleta na cidade (é o meu meio de transporte). Às vezes não faço nada.

Gil Alves - Jornal "Preto no Branco". Dezembro de 2007

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